2 de fev. de 2012

Hemostasia

Hemostasia (dados veterinários)



Entende-se por hemostasia processos naturais e ou artificiais, fisiológicos e bioquímicos envolvendo tanto estimulantes como inibidores da coagulação, necessários para impedir que o sangue escape dos vasos lesados. Esses processos englobam vasos, plaquetas, fatores de coagulação e mecanismo fibrinolítico tendo as funções de limitar a perda sangüínea, preservar a perfusão tecidual e reparar a lesão local. Quando envolve apenas substancia intravasculares é chamado sistema intrínseco e quando envolve também fatores teciduais é denominado sistema extrínseco. O histórico do animal constando a idade, sexo e raça é muito importante pois as coagulopatias hereditárias são muito comuns em animais jovens; as adquiridas são mais comuns em animais idosos; aquelas envolvendo os fatores VIII e IX são ligados ao cromossoma X ocorrendo primariamente em machos e algumas raças são mais propícias a apresentarem deficiências de fatores de coagulação, tais como Doberman, Pastor Alemão e outros. Estes processos hemostáticos envolvem sistema intrínseco e extrínseco. O primeiro envolve apenas as substâncias intravasculares e o segundo envolve também fatores teciduais.

Sintomatologia clínica
Os sinais e sintomas das alterações hemostáticas podem ser brandos ou emergenciais, observando-se hemorragias puntiformes (petequias), epistaxe, sangramentos gastrointestinais (hematoquezia e melena), hematêmese, hemorragias oculares, hemartroses, hematomas.

Fatores envolvidos

Vasculares
Dependem da existência de vasos sangüíneos funcionais e com estrutura íntegra, pois o endotélio vascular é participante dinâmico em muitos aspectos da hemostasia. O mesmo constitui-se de monocamada de células na superfície luminal dos vasos, possuindo características próprias nas artérias, veias, vênulas, arteríolas e capilares nas várias partes do corpo. As características superficiais do endotélio e o glicocálix endotelial associado contribuem para a tromboresistência endotelial. Tromboresistência é o mecanismo pelo qual o sangue não coagula dentro dos vasos, sendo a maior função das células endoteliais e depende de atributos estruturais, sintéticos e metabólicos. Essas propriedades antitrombogênicas incluem mecanismos ativos e passivos. O mecanismo passivo corresponde a carga negativa que repele substâncias de carga similar e células. Os constituintes do glicocálix são anticoagulantes naturais como o sulfato de heparan, a heparina e o sulfato de dermatan. O sulfato de heparan estimula a atividade da antitrombina III, anticoagulante mais importante circulante no plasma, provendo 80% do efeito anticoagulante. A heparina é o anticoagulante mais importante encontrado na microcirculação. As células endoteliais também processam a trombomodulina que é receptor superficial para a trombina ajudando a inativá-la. O complexo trombina-trombomodulina estimula a proteína C, substância vitamina K dependente, que tem atividade também anticoagulante, mediando a inibição dos fatores V e VIII ativados. O endotélio produz ainda ADPase, (enzima que inativa o ADP) e a prostaciclina (PGI). O ADP é ativador fisiológico das plaquetas e o PGI é vasodilatador e inibidor da agregação plaquetária através da elevação do conteúdo celular de monofosfato cíclico de adenosina (CAMP) inibindo a agregação plaquetária. O tromboxano A2 é a prostaglandina plaquetária mais ativa e é antagonista dos efeitos da PGI. As células endoteliais produzem ainda elastina, colágeno, fibronectina e fator de Von Willebrand que tem papel importante na formação do tampão hemostático primário. O colágeno é promotor de aderência das plaquetas aos componentes subendoteliais; a fibronectina e a globulina promovem adesão, agregação e aglutinação plaquetária e o fator de Von Willebrand é componente da molécula do fator VIII, sua falta dificulta a adesão plaquetária e liberação de fator VIII. Outra função endotelial é produção de ativador tecidual do plasminogênio (ATP) que converte plasminogênio em plasmina responsável pela lise do coágulo de fibrina.

Plaquetas
Também denominados trombócitos são pequenos fragmentos citoplasmáticos derivados dos megacariócitos produzidos na medula óssea, baço, fígado e pulmões que apresentam as seguintes funções: adesão e liberação de eventos contrateis, agregação e retração do coágulo.
 
Fatores de coagulação
São proteínas plasmáticas (glicoproteínas), que circulam em estado inativo sendo seqüencialmente ativadas após exposição ao colágeno ou fator tecidual. O único fator não proteico é o fator IV (Ca2+ ), que é necessário na maioria das reações.Todos esses fatores são produzidos no fígado com exceção dos fatores VIII e o fator IV. Acredita-se que a síntese do fator VIII seja dividido em duas partes:, o fator VIII:von Willebrand (F VIII:VWF) vem das células endoteliais e megacariócitos e a outra parte, o (F VIII:C), possivelmente do fígado. Todos os fatores estão presentes no plasma, com excessão do fator III (tromboplastina tecidual). Estas proteínas são divididas em três grupos: o primeiro grupo ou família fibrinogênio, compõe-se de fibrinogênio (fator I) e dos fatores V, VIII, e XIII; o fator XIII estabiliza a fibrina e os outros atuam como substrato para trombina. Os fatores V e VIII servem como cofatores que aceleram o processo de coagulação, são lábeis não sendo encontrados em sangue estocado. No segundo grupo, que é vitamina K dependente, também chamado complexo protrombínico. incluem os fatores II, VII, IX, X e as proteínas C e S. Já o terceiro grupo é chamado grupo de contato, incluem os fatores XI, XII, cininogênio e calicreina.

Biosíntese dos fatores
Os fatores II, VII, IX e X são inicialmente sintetizados pelos hepatócitos como percursores inativos e requerem vitamina K para sua ativação. Os macrófagos produzem vários fatores de coagulação como os fatores II, V, VII, IX e X e fator tecidual. O fator V também é sintetizado pelos megacariócitos e possivelmente por células endoteliais. O fator de Von Willebrand (VWF) é sintetizado por células endoteliais e megacariócitos, estando presente nos a grânulos plaquetários. O fator XIII além do fígado, é sintetizado nos megacariócitos, monócitos e também pela placenta. Os megacariócitos produzem também fibrinogênio.

Sistema fibrinolítico
Consiste no plasmonogênio e todas as moléculas que convergem o convergem em plasmina. Tem função de dissolver o coágulo de fibrina.

Fibrinólise
Consiste na dissolução do coágulo de fibrina. O sistema fibrinolítico é o plasminogênio e todas as substancias que convergem o plasminogênio em plasmina, que é responsável pela dissolução do coágulo de fibrina. A plasmina é gerada pelos ativadores do plasminogênio que são produzidos pelas células endoteliais em resposta a lesão. A fibrina é dissolvida em vários fragmentos chamados de produtos de degradação da fibrina (FDP) que tem ação anticoagulante, interferem com a função plaquetária e também atuam sobre a inibição da trombina. São removidos da circulação pelo fígado. A lesão vascular é recuperada por  fibroblastos estimulados que migram para a área lesada e produzem colágeno para reparo vascular permanente. Fatores de crescimento plaquetário estimulam a formação de novas células endoteliais e colágeno, estimulando a produção de fibroblastos para reparar a área lesada.

Avaliação laboratorial
A avaliação laboratorial deve ser sempre relacionada com a sintomatologia e histórico clínico. Como exemplo animais com distúrbio de sangramento causado pela Doença de von Willebrand apresentam testes de coagulação normais apesar dos sintomas clínicos, por outro lado, animais com deficiência de fator XII ou deficiência de précralicreína poderão apresentar testes anormais, mas não apresentar sangramentos. Os testes de hemostasia podem ser divididos em testes gerais que avaliam a atividade de todo o mecanismo hemostático (vasculares, plaquetas, coagulação e resposta fibrinolítica) e testes mais específicos que avaliam os componentes passo a passo desses processos.

Colheita
A veninpunctura inadequada pode acrescentar ao sangue colhido tromboplastina tecidual ativando fatores de coagulação e plaquetas. Qualquer remoção de sangue resulta em alguma ativação, por isso para qualquer avaliação laboratorial de hemostasia, o vaso deve ser puncionado da primeira vez. O uso de seringas descartáveis é recomendado pois o vidro ativa as plaquetas. Para avaliação dos fatores de coagulação, deve-se usar sempre plasma, que não seja colhido em EDTA, pois este evita a coagulação quelando o Ca++ . O soro também não deve ser utilizado porque é deficiente em fatores I, II, V e tem concentrações reduzidas de fator XIII e maior concentração de fator IX se comparado ao plasma. O uso de seringas de plástico e vidros siliconizados é imprescindível na avaliação do processo hemostático, no sentido de diminuir a superfície de ativação plaquetária e proteínas de coagulação. O manuseio rápido e cuidadoso do sangue é importante na avaliação da função plaquetária, estas se deterioram rapidamente quando retiradas da corrente sanguínea.

Testes gerais para avaliação da hemostasia

Hemostasia geral: Tempo de sangria
Perfil de coagulação: Tempo de coagulação; Tempo de protrombina; Tempo de tromboplastina parcial; Tempo de trombina.
Atividade plaquetária: Contagem e avaliação plaquetária; Retração do coágulo.
Fibrinólise: Lise do coágulo; Produtos de degradação da fibrina.


Avaliação das plaquetas
Para a contagem de plaquetas deve ser usado sangue colhido em EDTA que impede a agregação das mesmas. Pode-se contar por métodos diretos usando o hemocitômetro ou via indireta por avaliação do esfregaço sangüíneo correlacionando com o número de hemácias. Por esse mesmo método avalia-se também a forma e tamanho das mesmas. A avaliação plaquetária via esfregaço sanguíneo oferece resultados satisfatórios de forma rápida. A contagem de 10 a 30 plaquetas em um campo de imersão sugere números normais, isto é, cada plaqueta em tal campo microscópio representa cerca de 15000/mm3. A presença de plaquetas gigantes indica hipertrofia de megacariócitos e resposta regenerativa.

Tempo de sangria (TS)
Este método avalia-se as desordens plaquetárias e vasculares. Mede-se o tempo de sangramento desde o momento da perfuração da lesão até o cessar o sangramento. Não é um teste especificamente laboratorial e não muito preciso, depende da espessura da pele, da profundidade da lesão perfurante, do estado emocional do animal.

Retração do coágulo
A porcentagem de retração do coágulo é representada pelo volume do soro obtido, após a coagulação de uma quantidade determinada de sangue. Após a retração, o soro é expulso da malha de fibrina, que se retrai pela ação das plaquetas. Este teste nos fornece dados relativos à atividade plaquetária, em relação a quantidade e qualidade. É um teste que apresenta variáveis, não sendo muito preciso. A quantidade de trombina, de fibrinogênio e valores anormais do hematócrito, influenciam o resultado. Por exemplo, nas  policitemias, obtém-se pouca quantidade de soro e nas anemias, o hematócrito baixo fornece coágulo proporcionalmente reduzido.

Avaliação da coagulação

Tempo de coagulação (TC)
Avalia o sistema intrínseco, é simples, mas pouco sensível, sendo influenciado por muitos fatores como volume do sangue, tipo do tubo, temperatura, valor do hematócrito, concentração de plaquetas.

Tempo de protrombina (TP)
Avalia o sistema extrínseco e os fatores de coagulação da cascata comum I, II, III, V, VII, X. O princípio do método, baseia-se no fato que, ao plasma descalcificado é adicionado excesso de tromboplastina. Considerando que a protrombina é convertida em trombina em tempo uniforme, a recalcificação com quantidade correta de cloreto de cálcio produz coagulação do plasma. Por ser um método avaliado em segundos, os processos devem ser precisos desde a colheita, sem hemólise e sem traumatismos, com relação certa do anticoagulante correto (Oxalato ou citrato). Este teste não é afetado por alterações plaquetárias.

Tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa)
Avalia o sistema intrínseco e a cascata comum sendo utilizado no diagnóstico das hemofilias. Este teste envolve também a recalcificação do plasma, porém, em presença de uma cefalina. A cefalina é uma lipoproteína que funciona como substituto das plaquetas, fornecendo uma concentração ótima de fosfolípede. O meio de ativação por contato é obtido pela adição de suspensão de caolin ao reagente.



Anormalidades de hemostasia


Congênitas
. Hemofilia A (Deficiência do fator VIII)
Doença hemorrágica ligada ao cromossoma X, podendo ocorrer em cães, cavalos, gatos e bovinos.
· Doença de Von Willebrand
Como o nome indica ocorre por deficiência deste fator, sendo comum em cães das raças Doberman, Pastor Alemão, Poodle e Schnauzer, suínos e eqüinos.
· Deficiência do fator VII
Ocorre com alta incidência em cães da raça Beagle.
· Deficiência de fator X
Descrito em cães da raça Cocker Spaniel.
· Deficiência de fator XI
Observado em bovinos e cães da raça Springer Spaniel.
· Hipoprotrombinemia
Comum em cães da raça Boxer.

Adquiridas
· Deficiência de vitamina K
Intoxicação por veneno de rato (Warfarina).
Em suínos devido a tratamento prolongado com antibióticos.
· Doença hepática
Diminuição da síntese de fatores de coagulação, não remoção de produtos de degradação da fibrina, má absorção de vitamina K.
· Glomerulonefrite
Perda de antitrombina 3.

Nomenclatura internacional dos fatores de coagulação do sangue
I - Fibrinogênio
II - Protrombina
III - Trombloplastina tissular
IV - Cálcio
V - Fator lábil, AC-globulina, proacelerina
VII - Proconvertina, fator estável
VIII - Fator anti-hemofílico (FAH), tromboplastinogênio
IX - Componente tromboplastínico do plasma (CTP), fator de Christmas
X - Fator de Stuart-Power, fator de Stuart
XI - Antecedente tromboplastínico do plasma (PTA)
XII - Fator de Haegeman, fator de ativação "in vitro"
XIII - Fator de estabilização da fibrina (FEF), fibrinase, fator de Laki-Lorand


Fonte: Apostila de patologia clínica
Adriane Pimenta da Costa Val Bicalho
Rubens Antônio Carneiro
Esquema diagnóstico

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