A fase imediatamente anterior à coleta
de sangue para exames laboratoriais, definida na RDC n. 302 como fase que se
inicia com a solicitação da análise, passando pela obtenção da amostra e
finalizando quando se inicia a análise propriamente dita deve ser objeto de
atenção por parte de todas as pessoas envolvidas no atendimento dos pacientes
com a finalidade de se prevenir a ocorrência de falhas ou a introdução de
variáveis que possam comprometer a exatidão dos resultados.
Assim, é importante entender que a fase
pré-analítica necessita de implementações e cuidados na detecção, classificação
e adoção de medidas para a redução das falhas. Além disso, quando buscamos
especificar a qualidade de nossos sistemas analíticos, pela análise da
imprecisão dos mesmos, partimos do pressuposto de que a fase pré-analítica está
bem controlada, permitindo assim que os esforços, no estudo dessa imprecisão,
venham contribuir para melhoria das fases seguintes, ou seja, a fase analítica
e pós-analítica. É reconhecido que vários processos pré-analíticos devem ser
cumpridos antes da análise das amostras. Neles, estão envolvidos os médicos
solicitantes, que transmitem as orientações iniciais ao paciente, garantindo o
entendimento das orientações por parte deste e sua adesão ao que foi
recomendado ou solicitado. Esse aspecto pode ser melhorado pela
disponibilização de instruções escritas ou verbais, em linguagem simples,
orientando quanto ao preparo e cole a da amostra, tendo como objetivo facilitar
o entendimento pelo paciente. Finalmente, as fases que envolvem as atividades
no laboratório, como recepção, cadastro, coleta e triagem do material coletado.
Inúmeras podem ser as variáveis na fase
pré-analítica que envolvem os processos no laboratório e que são responsáveis
por cerca de 60% das falhas, sendo as mais evidentes:
• amostra insuficiente;
• amostra incorreta;
• amostra inadequada;
• identificação incorreta;
• problemas no acondicionamento e
transporte da amostra.
É importante estarmos conscientes de que
a medida dessas falhas nos diversos processos, por meio de levantamento de
indicadores, pode contribuir para busca da causa e consequente melhora dos
mesmos. É necessário estabelecer, em nossos protocolos de coleta, os critérios
de rejeição de amostras, evitando, dessa forma, que amostras com problemas
sejam analisadas, gerando um resultado que não poderá ser devidamente
interpretado em virtude das restrições advindas da inadeaquação do material
coletado. No entanto, é necessário atentar para o fato de que algumas amostras
consideradas nobres (líquor, por exemplo) possam ser analisadas, mas que as
restrições advindas do processo de obtenção destas sejam evidenciadas no
resultado, como prevê a própria RDC n. 302 em seu item 4.3, no qual define o
que é amostra laboratorial com restrição. Quaisquer que sejam os exames a serem
realizados, é fundamental a identificação positiva do paciente e dos tubos nos
quais será colocado o sangue.
Deve-se buscar uma forma de estabelecer
um vínculo seguro e indissociável entre o paciente e o material colhido para
que, ao final, seja garantida a rastreabilidade de todo o processo.
É indispensável que a identificação
possa ser rastreada a qualquer instante do processo.
O material colhido deve ser identificado
na presença do paciente. Nos sistemas manuais, isto pode ser feito pela
colocação, nos tubos de coleta, de etiquetas com o nome do paciente, a data da
coleta e o número sequencial de atendimento. Este número deve constar em todos
os documentos, amostras, mapas de trabalho, relatórios e laudo final. Existem
processos informatizados simples que geram um número pré-determinado de
etiquetas, na dependência dos exames a serem realizados.
Serviços mais complexos fazem uso de
etiquetas com código de barras que vinculam, de forma segura, a amostra em
todas as fases do processo. Muitos dos equipamentos analíticos atualmente
disponíveis conseguem identificar o paciente e reconhecer quais exames devem
ser realizados naquela amostra.
Além disso, estão disponíveis no mercado
equipamentos que, na fase de cadastro, geram as etiquetas e dispensam, em
caixas individuais, os tubos necessários aos diferentes procedimentos e as
respectivas etiquetas com códigos de barra, contribuindo, portanto, para maior
segurança e rastreabilidade do processo. Um cuidado importante que os
laboratórios devem ter na coleta do material do paciente é a adequada
rastreabilidade dos insumos (tubos, seringas e agulhas) podendo, quando
necessário, estabelecer uma ligação entre o material colhido e os lotes dos
produtos utilizados no procedimento de coleta do sangue. O suprimento desses
materiais pode ser controlado por meio de planilhas em que se pode anotar a
data do suprimento, o lote e a validade, a fim de estabelecer um controle
melhor e possibilitar, dessa forma, a investigação de falhas de fabricação do
insumo e, consequentemente, falha na qualidade da amostra coletada.
O sistema de identificação adotado deve
contemplar a possibilidade de geração de etiquetas adicionais, para os casos em
que for necessário alíquotar a amostra original para ser enviada a diferentes
áreas do laboratório, a outro laboratório ou ao armazenamento.
Recomenda-se que materiais não colhidos
no laboratório sejam identificados como “amostra enviada ao laboratório”, e o
laudo contenha essa informação. É importante verificar se o paciente está em
condições adequadas para a coleta, especialmente no que se refere ao jejum e ao
uso de eventuais medicações. Para a maioria dos exames de sangue, é necessário
apenas um curto período de tempo em jejum, de 3 a 4 horas. Alguns exames
requerem cuidados específicos quanto a dietas especiais, enquanto outros exigem
condições peculiares, por exemplo, a necessidade de repouso antes da coleta de
sangue, como exigido para a dosagem de prolactina ou de catecolaminas
plasmáticas.
Nos exames de monitoração terapêutica,
para permitir adequada interpretação dos resultados, algumas informações mais
específicas devem ser obtidas no momento da coleta, como o horário da última
medicação, bem como a dosagem e via de administração do medicamento. Dessa
forma, o paciente não deve ser considerado um agente passivo do processo mas,
sim, um dos integrantes da equipe. Para que possa desempenhar adequadamente
essa função, ele deve receber, previamente, algumas informações referentes aos
procedimentos da coleta de sangue, ao exame que será realizado e às condições
nas quais ele deve se apresentar ao laboratório. De uma forma ideal, essas
informações e instruções devem ser fornecidas por escrito e o paciente deve ter
oportunidade de esclarecer eventuais dúvidas.
São aspectos relevantes, dentre outros,
o tempo de jejum, a necessidade de abstenção de fumo e/ou álcool, o registro do
uso contínuo de alguma medicação, a realização de algum procedimento
diagnóstico ou terapêutico prévio. Objetivando evitar desconforto
desnecessário, convém sempre informar ao paciente que a ingestão de água não
interfere, não “quebra” o jejum, exceto em exames muito específicos.
Para obtenção de soro, o sangue é
colhido em tubo sem anticoagulante e deixado coagular por um período de 30 a 60
minutos, à temperatura ambiente. Quando o tubo contiver gel separador, com
ativador da coagulação, a espera pode ser de 30 a 45 minutos. Após este tempo,
o tubo é centrifugado e a parte líquida, correspondente ao soro, é separada. O
plasma é obtido pela centrifugação do sangue total anticoagulado. Quando for
necessário o uso de sangue total ou plasma, utilizar anticoagulantes
específicos, dependendo do exame a ser realizado.
Para alguns exames, além do anticoagulante,
pode ser necessária a adição de um conservante. Cada uma destas frações do
sangue se constitui na matriz ideal para a realização de exames específicos.
Assim, por exemplo, para o hemograma, é utilizado sangue total, anticoagulado
pela adição de ácido etilenodiaminotetraacético- EDTA; a dosagem de glicose é
realizada no plasma obtido pela adição de EDTA e fluoreto de sódio e, para a
dosagem de creatinina utiliza-se, em geral, soro.
Algumas substâncias podem ser dosadas
tanto no soro quanto no plasma, ainda que existam diferenças entre os
resultados obtidos, conforme descritos na Tabela 2.
As vantagens da utilização de plasma em
relação ao soro incluem redução do tempo de espera para a coagulação, obtenção
de maior volume de plasma do que de soro e ausência de interferência advinda do
processo de coagulação. Os resultados são mais representativos do estudo in
vivo, quando comparados aos do soro.
Há menor risco de interferência por
hemólise, visto que a hemoglobina livre, em geral, está em mais baixa concentração
no plasma do que no soro. As plaquetas permanecem intactas, não proporcionando
pseudo-hipercalemia, como pode ocorrer no soro. Por outro lado, o plasma
apresenta algumas desvantagens, como: alteração da eletroforese das proteínas,
uma vez que contém fibrinogênio, que se revela como um pico na região de
gamaglobulinas, podendo mascarar ou simular um componente monoclonal; potencial
interferência método-dependente pelo fato de os anticoagulantes serem agentes
complexantes e inibidores enzimáticos; por fim, a possibilidade de ocorrer
cátioninterferência quando sais de heparina são usados, afetando, por exemplo, alguns
dos métodos de dosagem de lítio e amônia.
Fonte: RECOMENDAÇÕES DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE
PATOLOGIA CLÍNICA/MEDICINA LABORATORIAL PARA COLETA DE SANGUE VENOSO
(2ª Edição)
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