8 de fev. de 2012

Micologia Médica (Micoses e seus Agentes Etiológicos)

Em micologia médica, as micoses são divididas para seu estudo em:

Micoses superficiais
Os agentes de micoses superficiais, formam um grupo heterogêneo de fungos que não sensibilizam o indivíduo, não provocam reações alérgicas a distancia como os agentes de micoses cutâneas.
*Malassezia furfur, Hortae werneckii, Trichosporon spp., Piedraia hortae são os fungos envolvidos nessas micoses.
*Malassezia furfur - Agente da pitíriase versicolor, afecção cutânea assintomática que se caracteriza por placas descamativas de diferentes cores: castanho-avermelhadas, marrons ou brancas. O papel do fungo em doenças de natureza seborreica como psoríase, dermatite seborreica, foliculite é discutível.
*M. furfur tem sido isolada também de infecções sistêmicas, principalmente em neonatos.
*Hortae werneckii - agente da tinha negra, lesão que se caracteriza pela formação de mancha pouca descamativas de coloração castanha a preta, principalmente nas palmas das mãos. Essas lesões vão aumentando de tamanho, durante meses ou anos.
*Trichosporon spp - causa piedra branca, que consiste em nódulos castanho-claros e macios em torno de pêlos da região genital, axilar e do couro cabeludo. Os nódulos são menos aderentes que os da piedra negra. Nos pacientes com imunodeficiência, pode ocorrer invasão do sangue, dos rins, dos pulmões e da pele.
*Piedraia hortae - produz piedra negra, que consiste em nódulos duros, pretos e firmes em torno dos cabelos.

Micoses cutâneas
Agrupam as dermatofitoses e as candidíase cutâneas. Os agentes das micoses cutâneas atacam a epidermes e as camadas mais profundas da córnea, chegando a produzir granulomas, se localizando na pele, pêlos, unhas e mucosas.
Os dermatófitos são fungos relacionados entre si que invadem a queratina morta. Pertencem aos gêneros Microsporum, Epidermophyton e Trichophyton. As espécies geofílicas vivem principalmente no solo; as zoofílicas, em animais; as antropofílicas, nos seres humanos.
Esses fungos infectam locais específicos do corpo, que servem de base para o diagnóstico clínico. A localização da dermatofitose pode ajudar na identificação preliminar do fungo.


*Microsporum canis - causa dermatofitose do corpo e do couro cabeludo, geralmente encontrado em crianças adquirido de animais infectados como cães e gatos.
*Microsporum gypseum - causa dermatofitose inflamatória do corpo ou do couro cabeludo, contraído por contato com solo contaminado.
*Epidermophyton floccosum - dermatofitose epidêmica (pé de atleta) em locais de veraneio, bem como dematofitose inguinal.
*Trichophyton rubrum - dermatofitose do corpo, dos pés, da virilha e das unhas. Em paciente imunodeprimidos, pode causar nódulos ou abscessos subcutâneos.
*Trichophyton mentagrophytes - dermatofitose inflamatória nos pés, no corpo, nas unhas, na barba e no couro cabeludo. É causa comum de pé de atleta, apresenta as variedades granular e cotonosa.
*Trichophyton tonsurans - causa tinha do couro cabeludo, tinha capilar com pontos pretos e às vezes dermatofitose do corpo, dos pés e das unhas.
*Trichophyton verrucosum - dermatofitose do couro cabeludo, da barba ou do corpo, geralmente adquirida por contato com o gado infectado.
*Trichophyton shoenleinii: dermatofitose do couro cabeludo chamado FAVO (tinha favosa) com alopécia definitiva, raramente, dermatofitose do corpo ou das unhas.

*Candidíases
São causadas primordialmente por C. albicans, embora outras espécies de Candida estejam se tornando cada vez mais importantes como agentes etiológicos. A C. albicans existe como normal no trato gastrointestinal, na área vulvovaginal, na pele e fezes. Em casos de comprometimento imunológico e conseqüente queda da resistência causados por AIDS, neoplasias, lúpus eritematoso, tuberculose ou terapias com esteróides ou agentes citotóxicos, as leveduras podem proliferar e causar auto-infecções.
As candidíases atingem principalmente as mucosas, exemplo candidíase oral. broncopulmonar, vulvovaginal; candidíase mucocutânea crônica, cutânea, ungueal, etc. são algumas das manifestações que podem ocorrer.

Micoses subcutâneas
Os agentes de micoses subcutâneas, tem habitat no solo. Podem ocorrer micoses subcutâneas quando há traumatismo por espinhos ou outro tipo de vegetação ou materiais contaminados por fungos. Os organismos alojam-se na pele e passam a produzir infecção localizada na pele e no tecido subcutâneo e às vezes nos linfonodos da região. Raramente a infecção se se dissemina. As lesões subcutâneas caracterizam-se pela cronicidade de áreas duras, nodulosas, crostosas e ulceradas. Que não cicatrizam e periodicamente produzem exsudação. Os membros inferiores, sobretudo os pés, são muitas vezes comprometidos, visto que seu contato com espinhos e outros vegetais é mais freqüente.
*Esporotricose – Esta infecção decorre de ferimentos cutâneos provocados por materiais contaminados, como espinhos de flores, gravetos, madeira, etc. Produz lesões ulcerativas subcutâneas, nos membros, que podem avançar ao longo dos vasos linfáticos. A esporotricose pulmonar está sendo observada com mais freqüência, deve ser distinguida da tuberculose, coccidioidomicose, histoplasmose e sarcoidose.
O agente etiológico é Sporothrix schenckii, fungo dimórfico.
*Cromoblastomicose – As lesões produzidas evoluem com grande lentidão torna-se, vão-se formando muitas protuberâncias sobrepostas, o que cria a aparência de couve-flor. Geralmente, a erupção é seca, mas pode ulcerar-se. Na suas camadas mais profundas, encontram-se corpos escleróticos.
Os principais agentes envolvidos: F. pedrosoi, F. compacta, P. verrucosa, C. carrionii, Rhinocadiella aquaspersa.
*Micetomas – O micetoma geralmente se restringe aos pés, mas pode ser visto em outras regiões como mãos e nádegas.
Os nódulos, que periodicamente exsudam um líquido oleoso contem grãos que podem ser brancos, amarelos, vermelhos ou pretos. Aos poucos as lesões comprometem toda a perna. A infecção causada pelos fungos superiores (micetoma eumicótico) produz lesões fistulosas, com pouca dor ou destruição óssea, enquanto a causada por bactérias fungiformes (micetoma actinomicótico) apresenta lesões tumorosas cônicas semelhantes às erupções de acne, com grande exsudação e comprometimento ósseo com dor.
Principais agentes de micetoma eumicótico: Scedosporium apiospermum, Acremonium falciforme, Acremonium recifei, Exophiala jeanselmei, Madurella mycetomatis, Madurella grisea.
Principais agentes de micetoma actinomicótico: Nocardia asteroides, Nocardia brasiliensis, Nocardia otitidiscavarium, Actinomadura madurae, Actinomadura pelletierii, Streptomyces somaliensis, Actinomyces israelii e Actinomyces bovis.
*Rinosporidiose – doença que se caracteriza pela formação de granuloma vegetante, poliposo, com sede predominantemente nasal ou ocular. (conjuntiva palpebral, conjuntiva bulbar e saco lacrimal). Já foram verificados casos de localização vaginal, retal e peniana, assim como no conduto auditivo externo.
Agente etiológico Rhinosporidium seeberi que não tem sido cultivado.
*Entomoftoromicose ou zigomicose subcutânea – Granuloma eosinofilico causados por zigomicetos que invadem primariamente a gordura do tecido celular subcutâneo. É comum em crianças, traduzindo-se pelo aparecimento de um nódulo subcutâneo que aumenta em volume, provocando intumescimento extensivo, progressivo e lento. Geralmente o paciente não apresenta imunodepressão
Agentes envolvidos pertencentes aos gêneros Conidiobolus e Basidiobolus.
*Doença de Jorge Lobo – dermatose que provoca lesões tipo quelóides com ausência de comprometimento visceral, ausência de adenopatia satélite, longa evolução do processo. Nem sempre as lesões cutâneas assumem aspecto puramente queloidiano ao lado e lesões papulosas, nodulares, verrucosas, e tuberosas podem ocorrer.
Agente etiológico, Lacazia loboi (Loboa loboi) ainda não cultivado.

Micoses sistêmicas
Os fungos que causam micoses sistêmicas vivem em forma sapróbia no solo. Alguns animais de vida silvestre são reservatórios importantes. Os indivíduos podem desenvolver a doença principalmente por inalação de propágulos.
Todos os agentes de micoses profundas apresentam dimorfismo térmico. Na natureza e nos cultivos a 25ºC, formam colônias filamentosas com reprodução assexuada. Nos tecidos e cultivos a 37ºC eles apresentam sua forma leveduriforme.
Estes fungos são taxonomicamente heterogêneos: Histoplasma capsulatum, Paracoccidioides brasiliensis, Blastomyces dermatitidis, Coccidioides immitis.
*Histoplasma capsulatum – é agente de infecção relacionada a indivíduos que visitam grutas ou lugares com morcegos. 90-95% dos casos são assintomáticos ou sub-clínicos e os sintomas respiratórios gripais se resolvem espontaneamente. Esporadicamente algum paciente pode apresentar uma forma pulmonar aguda da doença, com suores noturnos, tosse, febre e emagrecimento. É fulminante em pacientes com imunodeficiência.
*Paracococcidioides brasiliensis – a infecção geralmente se caracteriza por lesões pulmonares semelhantes às da tuberculose e de outras micoses. Lesões nas mucosas nasais, oral, pele e outros órgãos podem ocorrer.
*Blastomyces dermatitidis – O microrganismo ao ser inalado, produz infecção respiratória crônica e branda, que piora gradualmente, ao longo de semanas ou meses. Escarro torna-se purulento, sanguinolento. A fase respiratória da doença tem semelhanças com tuberculose, coccidioidomicose, paracoccidioidomicose e histoplasmose. Pode provocar lesões subcutâneas, ósseas, etc.
*Coccidioides immitis – Por inalação dos conídios após 14 dias, 60% dos pacientes apresentam infecção respiratória assintomática. O restante 40% apresenta sintomas da doença respiratória gripal leve ou raramente grave. Complicações pulmonares, na forma de cavidades ou de pneumonia ocorrem em 5%. Pode ocorrer disseminação por via hematogênica dos pulmões para os ossos, as articulações, a pele, os tecidos subcutâneos, etc.

Micoses oportunísticas
A maioria dos fungos que produzem micoses oportunísticas são saprófitos do meio ambiente, de crescimento rápido, normalmente inalado. Esses organismos geralmente não são patogênicos, mais atuam como patógenos oportunistas. O indivíduo que apresenta algum tipo de depressão imunitária em decorrência de doença ou em especial, do uso de medicamentos imunossupressores, antibioticoterapia por longo tempo, pode ser alvo de infecções oportunísticas.
*Zigomicose – infecção fúngica aguda causada por fungos da divisão Zigomycota, os esporos desses fungos podem infectar os seios paranasais e a área peri-orbital. A infecção rapidamente se dissemina para os vasos sanguíneos vizinhos, causando necrose e trombose, vascular (CID). A partir daí se difunde para o encéfalo e para as meninges, produzindo meningoencefalíte, rapidamente fatal. Essa doença pode se disseminar para os pulmões e para o tubo digestivo.
Principais agentes envolvidos: Absidia sp., Apophysomyces sp., Mucor sp., Rhizopus sp., Saksenaea sp., Cunninghamella sp..
*Feohifomicoses – Infecções causadas por fungos demáceos que apresentam hifas escuras nos tecidos. O número de agentes envolvidas é, em geral, muito grande e tende a aumentar.
*Alternaria spp. – produz quadros como ceratomicose, infecções cutâneas, osteomielite, doenças pulmonares e infecção do septo nasal.
*Bipolaris spp. – causam ceratomicose e sinusite fúngica, abscessos subcutâneos, meningite, alergias e peritonite.
*Cladosporium spp., Epicoccum spp. e Nigrospora spp. – causa ceratomicose e alergias.
*Curvularia spp. – causam ceratomicoses, micetoma, endocardite, infecção pulmonar, alergias e infecção do septo nasal.
*Exserohilum spp. – sinusite fúngica, embolia aórtica, úlcera de córnea e meningite.
*Hialohifomicoses – Infecção causada por fungos hialinos (hifas hialinas)
*Acremonium sp. - pode causar ceratomicose, lesões do palato duro, meningite, artrite e doenças sistêmicas.
*Aspergillus sp. - o Aspergillus fumigatus é o patógeno oportunista mais comum do gênero. Aspergilose disseminada, doenças pulmonares, broncopneumonia alérgica, ceratomicose, otomicose e infecção dos seios paranasais.
*Fusarium spp. - causa mais comum de ceratomicoses, onicomicoses, otomicoses, úlceras varicosas, micetoma, osteomielite. Tem sido identificado também em lesões sistêmicas em transplantados de medula óssea.
*Paecilomyces spp. – implicados em casos de peniciliose, endoftalmite, endocardite, derrame pleural e lesões cutâneas.
*Penicillium spp. – causam ceratomicose, peniciliose, otomicose, onicomicose e, raramente, infecções profundas. Penicillium marnefei produz uma forma disseminada de peniciliose, é o único agente dimórfico do grupo.
*Scopulariopsis sp. – ceratomicose, otomicose e onicomicose.
*Criptococose – Em geral produz infecções pulmonares brandas muitas vezes subclínicas. Em pacientes sintomáticos manifesta-se como tosse e febre, radiografias demonstra nódulos isolados ou múltiplos nos campos pulmonares médio e inferior que podem calcificar. Muitos pacientes apresentam infiltrados densos pulmonares. Na disseminação ocorre infecção hepato-esplênica, osteomelite, comprometimento subcutâneo e nódulos cutâneos semelhantes ao molusco contagioso. A meningites é a forma grave da doença foi atinge grande parte de indivíduos com AIDS.
Agente etiológico: Cryptococcus neoformans var neoformans, Cryptococcus neoformans var gattii, com os sorotipos A, B, C, D.
*Candidíse, Trichosporonose e Malasseziose – descritos anteriormente.

Leveduroses por:
*Geotrichum candidum – Produz infecções orais com placas brancas semelhantes às de candidíase, ao passo que a forma intestinal da doença provoca colite e fezes sanguinolentas. As manifestações bronquiais são as mais comuns; tosse crônica e o escarro mucóide e sanguinolento que provocam lembra tuberculose. Já foram documentadas infecções vaginais.
*Toluropsis glabrata – patógeno oportunista que geralmente provoca doenças em pacientes debilitados. Os pulmões e os rins são os órgãos mais afetados, embora esse fungo possa disseminar-se para o restante do corpo através do sangue, causando fungemia e choque séptico.
*Pneumocystis carinii – Pneumocystis se adere às células epiteliais e penetram ao citoplasma, aumentando a permeabilidade capilar do alvéolo, produzido danos na membrana basal do alvéolo formando exudado alveolar eosinofílico. O agente não tem sido cultivado.

6 de fev. de 2012

Breve Histórico da Pesquisa em Imunologia (Imunização/Patologia)

A imunologia é uma ciência relativamente nova. Sua origem é atribuída à Edward Jenner, que descobriu, há aproximadamente 200 anos, em 1796, que a vacínia (ou cowpox), induzia proteção contra a varíola, uma doença frequentemente fatal. Jenner batizou seu processo de vacinação, uma expressão ainda utilizada para descrever a inoculação de indivíduos sãos, com amostras atenuadas ou mortas de agentes causadores de doenças, objetivando a proteção futura contra a enfermidade.
Edward Jenner (1749-1823)



Quando Jenner introduziu a vacinação, ele nada sabia sobre os agentes infeccioso que causam as doenças. No século XIX, Robert Koch provou que as doenças infecciosas eram causadas por microorganismos patogênico, cada qual responsável por uma determinada enfermidade ou patologia. Atualmente, existem quatro grandes categorias de microorganismos causadores de doença ou patógenos: os vírus, as bactérias, os fungos, e os parasitas.
Robert Koch (1843-1910)


As descobertas de Koch e outros pesquisadores do século XIX possibilitaram desenvolvimento da imunologia, estendendo a vacinação para outras doenças. Por volta de 1880, Louis Pasteur projetou com sucesso uma vacina contra a cólera aviária e desenvolveu uma vacina anti-rábica também bem sucedida na inoculação de uma criança mordida por um cão raivoso. Tantos triunfos práticos resultaram na busca pelos mecanismos de proteção imunológica.

Louis Pasteur (1822-1895)

Pasteur, embora bem sucedido no desenvolvimento de vacinas, possuía muito pouco conhecimento sobre os mecanismos envolvidos no processo de imunização. Ele sugeriu que organismos na vacina eram capazes de remover nutrientes essenciais do corpo e, assim, evitar o crescimento e proliferação dos agentes causadores de doença.
 
Louis Pasteur em seu gabinete de estudos

Aproximadamente dez anos mais tarde, em 1890, Emil Von Behring e Shibasaburo Kitasato demonstraram que a proteção induzida pelos processos de vacinação não se devia a remoção de nutrientes, mas estavam associadas ao surgimento de fatores de proteção no soro dos indivíduos vacinados. Estas substâncias foram denominadas de anticorpos, as quais se ligavam especificamente e eram capazes de neutralizar os agentes infecciosos. Emil von Behring recebeu, em 1901, o primeiro prêmio Nobel em medicina pelo seu trabalho sobre a produção de anticorpos (Tizard, 1995).
 
Emil Adolf von Behring (1854 - 1917)

Shibasaburo Kitasato (1852-1931)

2 de fev. de 2012

Hemostasia

Hemostasia (dados veterinários)



Entende-se por hemostasia processos naturais e ou artificiais, fisiológicos e bioquímicos envolvendo tanto estimulantes como inibidores da coagulação, necessários para impedir que o sangue escape dos vasos lesados. Esses processos englobam vasos, plaquetas, fatores de coagulação e mecanismo fibrinolítico tendo as funções de limitar a perda sangüínea, preservar a perfusão tecidual e reparar a lesão local. Quando envolve apenas substancia intravasculares é chamado sistema intrínseco e quando envolve também fatores teciduais é denominado sistema extrínseco. O histórico do animal constando a idade, sexo e raça é muito importante pois as coagulopatias hereditárias são muito comuns em animais jovens; as adquiridas são mais comuns em animais idosos; aquelas envolvendo os fatores VIII e IX são ligados ao cromossoma X ocorrendo primariamente em machos e algumas raças são mais propícias a apresentarem deficiências de fatores de coagulação, tais como Doberman, Pastor Alemão e outros. Estes processos hemostáticos envolvem sistema intrínseco e extrínseco. O primeiro envolve apenas as substâncias intravasculares e o segundo envolve também fatores teciduais.

Sintomatologia clínica
Os sinais e sintomas das alterações hemostáticas podem ser brandos ou emergenciais, observando-se hemorragias puntiformes (petequias), epistaxe, sangramentos gastrointestinais (hematoquezia e melena), hematêmese, hemorragias oculares, hemartroses, hematomas.

Fatores envolvidos

Vasculares
Dependem da existência de vasos sangüíneos funcionais e com estrutura íntegra, pois o endotélio vascular é participante dinâmico em muitos aspectos da hemostasia. O mesmo constitui-se de monocamada de células na superfície luminal dos vasos, possuindo características próprias nas artérias, veias, vênulas, arteríolas e capilares nas várias partes do corpo. As características superficiais do endotélio e o glicocálix endotelial associado contribuem para a tromboresistência endotelial. Tromboresistência é o mecanismo pelo qual o sangue não coagula dentro dos vasos, sendo a maior função das células endoteliais e depende de atributos estruturais, sintéticos e metabólicos. Essas propriedades antitrombogênicas incluem mecanismos ativos e passivos. O mecanismo passivo corresponde a carga negativa que repele substâncias de carga similar e células. Os constituintes do glicocálix são anticoagulantes naturais como o sulfato de heparan, a heparina e o sulfato de dermatan. O sulfato de heparan estimula a atividade da antitrombina III, anticoagulante mais importante circulante no plasma, provendo 80% do efeito anticoagulante. A heparina é o anticoagulante mais importante encontrado na microcirculação. As células endoteliais também processam a trombomodulina que é receptor superficial para a trombina ajudando a inativá-la. O complexo trombina-trombomodulina estimula a proteína C, substância vitamina K dependente, que tem atividade também anticoagulante, mediando a inibição dos fatores V e VIII ativados. O endotélio produz ainda ADPase, (enzima que inativa o ADP) e a prostaciclina (PGI). O ADP é ativador fisiológico das plaquetas e o PGI é vasodilatador e inibidor da agregação plaquetária através da elevação do conteúdo celular de monofosfato cíclico de adenosina (CAMP) inibindo a agregação plaquetária. O tromboxano A2 é a prostaglandina plaquetária mais ativa e é antagonista dos efeitos da PGI. As células endoteliais produzem ainda elastina, colágeno, fibronectina e fator de Von Willebrand que tem papel importante na formação do tampão hemostático primário. O colágeno é promotor de aderência das plaquetas aos componentes subendoteliais; a fibronectina e a globulina promovem adesão, agregação e aglutinação plaquetária e o fator de Von Willebrand é componente da molécula do fator VIII, sua falta dificulta a adesão plaquetária e liberação de fator VIII. Outra função endotelial é produção de ativador tecidual do plasminogênio (ATP) que converte plasminogênio em plasmina responsável pela lise do coágulo de fibrina.

Plaquetas
Também denominados trombócitos são pequenos fragmentos citoplasmáticos derivados dos megacariócitos produzidos na medula óssea, baço, fígado e pulmões que apresentam as seguintes funções: adesão e liberação de eventos contrateis, agregação e retração do coágulo.
 
Fatores de coagulação
São proteínas plasmáticas (glicoproteínas), que circulam em estado inativo sendo seqüencialmente ativadas após exposição ao colágeno ou fator tecidual. O único fator não proteico é o fator IV (Ca2+ ), que é necessário na maioria das reações.Todos esses fatores são produzidos no fígado com exceção dos fatores VIII e o fator IV. Acredita-se que a síntese do fator VIII seja dividido em duas partes:, o fator VIII:von Willebrand (F VIII:VWF) vem das células endoteliais e megacariócitos e a outra parte, o (F VIII:C), possivelmente do fígado. Todos os fatores estão presentes no plasma, com excessão do fator III (tromboplastina tecidual). Estas proteínas são divididas em três grupos: o primeiro grupo ou família fibrinogênio, compõe-se de fibrinogênio (fator I) e dos fatores V, VIII, e XIII; o fator XIII estabiliza a fibrina e os outros atuam como substrato para trombina. Os fatores V e VIII servem como cofatores que aceleram o processo de coagulação, são lábeis não sendo encontrados em sangue estocado. No segundo grupo, que é vitamina K dependente, também chamado complexo protrombínico. incluem os fatores II, VII, IX, X e as proteínas C e S. Já o terceiro grupo é chamado grupo de contato, incluem os fatores XI, XII, cininogênio e calicreina.

Biosíntese dos fatores
Os fatores II, VII, IX e X são inicialmente sintetizados pelos hepatócitos como percursores inativos e requerem vitamina K para sua ativação. Os macrófagos produzem vários fatores de coagulação como os fatores II, V, VII, IX e X e fator tecidual. O fator V também é sintetizado pelos megacariócitos e possivelmente por células endoteliais. O fator de Von Willebrand (VWF) é sintetizado por células endoteliais e megacariócitos, estando presente nos a grânulos plaquetários. O fator XIII além do fígado, é sintetizado nos megacariócitos, monócitos e também pela placenta. Os megacariócitos produzem também fibrinogênio.

Sistema fibrinolítico
Consiste no plasmonogênio e todas as moléculas que convergem o convergem em plasmina. Tem função de dissolver o coágulo de fibrina.

Fibrinólise
Consiste na dissolução do coágulo de fibrina. O sistema fibrinolítico é o plasminogênio e todas as substancias que convergem o plasminogênio em plasmina, que é responsável pela dissolução do coágulo de fibrina. A plasmina é gerada pelos ativadores do plasminogênio que são produzidos pelas células endoteliais em resposta a lesão. A fibrina é dissolvida em vários fragmentos chamados de produtos de degradação da fibrina (FDP) que tem ação anticoagulante, interferem com a função plaquetária e também atuam sobre a inibição da trombina. São removidos da circulação pelo fígado. A lesão vascular é recuperada por  fibroblastos estimulados que migram para a área lesada e produzem colágeno para reparo vascular permanente. Fatores de crescimento plaquetário estimulam a formação de novas células endoteliais e colágeno, estimulando a produção de fibroblastos para reparar a área lesada.

Avaliação laboratorial
A avaliação laboratorial deve ser sempre relacionada com a sintomatologia e histórico clínico. Como exemplo animais com distúrbio de sangramento causado pela Doença de von Willebrand apresentam testes de coagulação normais apesar dos sintomas clínicos, por outro lado, animais com deficiência de fator XII ou deficiência de précralicreína poderão apresentar testes anormais, mas não apresentar sangramentos. Os testes de hemostasia podem ser divididos em testes gerais que avaliam a atividade de todo o mecanismo hemostático (vasculares, plaquetas, coagulação e resposta fibrinolítica) e testes mais específicos que avaliam os componentes passo a passo desses processos.

Colheita
A veninpunctura inadequada pode acrescentar ao sangue colhido tromboplastina tecidual ativando fatores de coagulação e plaquetas. Qualquer remoção de sangue resulta em alguma ativação, por isso para qualquer avaliação laboratorial de hemostasia, o vaso deve ser puncionado da primeira vez. O uso de seringas descartáveis é recomendado pois o vidro ativa as plaquetas. Para avaliação dos fatores de coagulação, deve-se usar sempre plasma, que não seja colhido em EDTA, pois este evita a coagulação quelando o Ca++ . O soro também não deve ser utilizado porque é deficiente em fatores I, II, V e tem concentrações reduzidas de fator XIII e maior concentração de fator IX se comparado ao plasma. O uso de seringas de plástico e vidros siliconizados é imprescindível na avaliação do processo hemostático, no sentido de diminuir a superfície de ativação plaquetária e proteínas de coagulação. O manuseio rápido e cuidadoso do sangue é importante na avaliação da função plaquetária, estas se deterioram rapidamente quando retiradas da corrente sanguínea.

Testes gerais para avaliação da hemostasia

Hemostasia geral: Tempo de sangria
Perfil de coagulação: Tempo de coagulação; Tempo de protrombina; Tempo de tromboplastina parcial; Tempo de trombina.
Atividade plaquetária: Contagem e avaliação plaquetária; Retração do coágulo.
Fibrinólise: Lise do coágulo; Produtos de degradação da fibrina.


Avaliação das plaquetas
Para a contagem de plaquetas deve ser usado sangue colhido em EDTA que impede a agregação das mesmas. Pode-se contar por métodos diretos usando o hemocitômetro ou via indireta por avaliação do esfregaço sangüíneo correlacionando com o número de hemácias. Por esse mesmo método avalia-se também a forma e tamanho das mesmas. A avaliação plaquetária via esfregaço sanguíneo oferece resultados satisfatórios de forma rápida. A contagem de 10 a 30 plaquetas em um campo de imersão sugere números normais, isto é, cada plaqueta em tal campo microscópio representa cerca de 15000/mm3. A presença de plaquetas gigantes indica hipertrofia de megacariócitos e resposta regenerativa.

Tempo de sangria (TS)
Este método avalia-se as desordens plaquetárias e vasculares. Mede-se o tempo de sangramento desde o momento da perfuração da lesão até o cessar o sangramento. Não é um teste especificamente laboratorial e não muito preciso, depende da espessura da pele, da profundidade da lesão perfurante, do estado emocional do animal.

Retração do coágulo
A porcentagem de retração do coágulo é representada pelo volume do soro obtido, após a coagulação de uma quantidade determinada de sangue. Após a retração, o soro é expulso da malha de fibrina, que se retrai pela ação das plaquetas. Este teste nos fornece dados relativos à atividade plaquetária, em relação a quantidade e qualidade. É um teste que apresenta variáveis, não sendo muito preciso. A quantidade de trombina, de fibrinogênio e valores anormais do hematócrito, influenciam o resultado. Por exemplo, nas  policitemias, obtém-se pouca quantidade de soro e nas anemias, o hematócrito baixo fornece coágulo proporcionalmente reduzido.

Avaliação da coagulação

Tempo de coagulação (TC)
Avalia o sistema intrínseco, é simples, mas pouco sensível, sendo influenciado por muitos fatores como volume do sangue, tipo do tubo, temperatura, valor do hematócrito, concentração de plaquetas.

Tempo de protrombina (TP)
Avalia o sistema extrínseco e os fatores de coagulação da cascata comum I, II, III, V, VII, X. O princípio do método, baseia-se no fato que, ao plasma descalcificado é adicionado excesso de tromboplastina. Considerando que a protrombina é convertida em trombina em tempo uniforme, a recalcificação com quantidade correta de cloreto de cálcio produz coagulação do plasma. Por ser um método avaliado em segundos, os processos devem ser precisos desde a colheita, sem hemólise e sem traumatismos, com relação certa do anticoagulante correto (Oxalato ou citrato). Este teste não é afetado por alterações plaquetárias.

Tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa)
Avalia o sistema intrínseco e a cascata comum sendo utilizado no diagnóstico das hemofilias. Este teste envolve também a recalcificação do plasma, porém, em presença de uma cefalina. A cefalina é uma lipoproteína que funciona como substituto das plaquetas, fornecendo uma concentração ótima de fosfolípede. O meio de ativação por contato é obtido pela adição de suspensão de caolin ao reagente.



Anormalidades de hemostasia


Congênitas
. Hemofilia A (Deficiência do fator VIII)
Doença hemorrágica ligada ao cromossoma X, podendo ocorrer em cães, cavalos, gatos e bovinos.
· Doença de Von Willebrand
Como o nome indica ocorre por deficiência deste fator, sendo comum em cães das raças Doberman, Pastor Alemão, Poodle e Schnauzer, suínos e eqüinos.
· Deficiência do fator VII
Ocorre com alta incidência em cães da raça Beagle.
· Deficiência de fator X
Descrito em cães da raça Cocker Spaniel.
· Deficiência de fator XI
Observado em bovinos e cães da raça Springer Spaniel.
· Hipoprotrombinemia
Comum em cães da raça Boxer.

Adquiridas
· Deficiência de vitamina K
Intoxicação por veneno de rato (Warfarina).
Em suínos devido a tratamento prolongado com antibióticos.
· Doença hepática
Diminuição da síntese de fatores de coagulação, não remoção de produtos de degradação da fibrina, má absorção de vitamina K.
· Glomerulonefrite
Perda de antitrombina 3.

Nomenclatura internacional dos fatores de coagulação do sangue
I - Fibrinogênio
II - Protrombina
III - Trombloplastina tissular
IV - Cálcio
V - Fator lábil, AC-globulina, proacelerina
VII - Proconvertina, fator estável
VIII - Fator anti-hemofílico (FAH), tromboplastinogênio
IX - Componente tromboplastínico do plasma (CTP), fator de Christmas
X - Fator de Stuart-Power, fator de Stuart
XI - Antecedente tromboplastínico do plasma (PTA)
XII - Fator de Haegeman, fator de ativação "in vitro"
XIII - Fator de estabilização da fibrina (FEF), fibrinase, fator de Laki-Lorand


Fonte: Apostila de patologia clínica
Adriane Pimenta da Costa Val Bicalho
Rubens Antônio Carneiro
Esquema diagnóstico