O botulismo é uma doença não-contagiosa, resultante da ação de potente neurotoxina. Apresenta-se sob três formas: botulismo alimentar, botulismo por ferimentos e botulismo intestinal. O local de produção da toxina botulínica é diferente em cada uma destas formas, porém todas se caracterizam clinicamente por manifestações neurológicas e/ou gastrintestinais. É uma doença de elevada letalidade, considerada como emergência médica e de saúde pública. Para minimizar o risco de morte e seqüelas, é essencial que o diagnóstico seja feito rapidamente e que o tratamento seja instituído precocemente por meio das medidas gerais de urgência. Suas manifestações clínicas serão descritas de acordo com o modo de transmissão.
Botulismo alimentar
A doença se caracteriza por instalação súbita e progressiva. Os sinais e sintomas iniciais podem ser gastrintestinais e/ou neurológicos. As manifestações gastrintestinais mais comuns são: náuseas, vômitos, diarréia e dor abdominal, podendo anteceder ou coincidir com os sinais e sintomas neurológicos. Os primeiros sinais e sintomas neurológicos podem ser inespecíficos, tais como cefaléia, vertigem e tontura. O quadro neurológico propriamente dito se caracteriza por paralisia flácida aguda motora descendente, associada a comprometimento autonômico disseminado. Os principais sinais e sintomas neurológicos são visão turva, ptose palpebral, diplopia, disfagia, disartria e boca seca. Têm início no território dos nervos cranianos e evoluem no sentido descendente. Esta particularidade distingue o botulismo da síndrome de Guillain-Barré, que é uma paralisia flácida aguda ascendente. Com a evolução da doença, a fraqueza muscular pode se propagar de forma descendente para os músculos do tronco e membros, o que pode ocasionar dispnéia, insuficiência respiratória e tetraplegia flácida. A fraqueza muscular nos membros é tipicamente simétrica, acometendo com maior intensidade os membros superiores. Uma característica importante no quadro clínico do botulismo é a preservação da consciência.
Na maioria dos casos, também não há comprometimento da sensibilidade, o que auxilia no diagnóstico diferencial com outras doenças neurológicas. O botulismo pode apresentar progressão por uma a duas semanas e estabilizar-se por mais duas a três, antes de iniciar a fase de recuperação. Esta fase tem duração variável, que depende da formação de novas sinapses e restauração da função. Nas formas mais graves, o período de recuperação pode durar de seis meses a um ano, embora os maiores progressos ocorram nos primeiros três meses após o início dos sinais e sintomas.
Botulismo por ferimentos
O quadro clínico é semelhante ao do botulismo alimentar. Entretanto, os sinais e sintomas gastrintestinais não são esperados e pode ocorrer febre decorrente de contaminação secundária do ferimento. O botulismo por ferimento deve ser lembrado nas situações em que não se identifica uma fonte alimentar, especialmente em casos isolados da doença. Ferimentos ou cicatrizes nem sempre são encontrados e focos ocultos, como em mucosa nasal, seios da face e pequenos abcessos em locais de injeção, devem ser investigados, especialmente em usuários de drogas.
Botulismo intestinal
Nas crianças, o aspecto clínico do botulismo intestinal varia de quadros com constipação leve à síndrome de morte súbita. Manifesta-se inicialmente por constipação e irritabilidade, seguidos de sintomas neurológicos caracterizados por dificuldade de controle dos movimentos da cabeça, sucção fraca, disfagia, choro fraco, hipoatividade e paralisias bilaterais descendentes, que podem progredir para comprometimento respiratório. Casos leves caracterizados apenas por dificuldade alimentar e fraqueza muscular discreta têm sido descritos. Em adultos, suspeita-se de botulismo intestinal na ausência de fontes prováveis de toxina botulínica, tais como alimentos contaminados, ferimentos ou uso de drogas. O botulismo intestinal tem duração de duas a seis semanas, com instalação progressiva dos sinais e sintomas por uma a duas semanas, seguida de recuperação em três a quatro semanas.
Agente etiológico
Clostridium botulinum, bacilo gram-positivo, anaeróbio, esporulado, cuja forma vegetativa produz 8 tipos de toxina (A, B, C1, C2, D, E, F e G). As toxinas patogênicas para o homem são as dos tipos A, B, E e F, sendo as mais freqüentes a A e a B.
Reservatórios
Os esporos do Clostridium botulinum são amplamente distribuídos na natureza, em solos, sedimentos de lagos e mares. São identificados em produtos agrícolas como legumes, vegetais e mel e em intestinos de mamíferos, peixes e vísceras de crustáceos.
Botulismo alimentar - Ocorre por ingestão de toxinas presentes em alimentos previamente contaminados que são produzidos ou conservados de maneira inadequada. Os alimentos mais comumente envolvidos são conservas vegetais, principalmente as artesanais (palmito, picles, pequi); produtos cárneos cozidos, curados e defumados de forma artesanal (salsicha, presunto, carne frita conservada em gordura – “carne de lata”); pescados defumados, salgados e fermentados; queijos e pasta de queijos e, raramente, em alimentos enlatados industrializados.
Botulismo por ferimentos - Ocasionado pela contaminação de ferimentos com Clostridium botulinum, que em condições de anaerobiose assume a forma vegetativa e produz toxina in vivo. As principais portas de entrada para os esporos são úlceras crônicas com tecido necrótico, fissuras, esmagamento de membros, ferimentos em áreas profundas mal vascularizadas ou, ainda, aqueles produzidos por agulhas em usuários de drogas injetáveis e lesões nasais ou sinusais em usuários de drogas inalatórias. É uma das formas mais raras de botulismo.
Botulismo intestinal - Resulta da ingestão de esporos presentes no alimento, seguida da fixação e multiplicação do agente no ambiente intestinal, onde ocorre a produção e absorção de toxina. A ausência da microbiota de proteção permite a germinação de esporos e a produção de toxina na luz intestinal. Ocorre com maior freqüência em crianças com idade entre 3 e 26 semanas – por isso, foi inicialmente denominado como botulismo infantil. Em adultos, são descritos alguns fatores predisponentes, como cirurgias intestinais, acloridria gástrica, doença de Crohn e/ou uso de antibióticos por tempo prolongado, o que levaria à alteração da flora intestinal.
Outras formas - Embora raros, são descritos casos de botulismo acidental associados ao uso terapêutico ou estético da toxina botulínica e à manipulação de material contaminado, em laboratório (via inalatória ou contato com a conjuntiva).
Outras formas - Embora raros, são descritos casos de botulismo acidental associados ao uso terapêutico ou estético da toxina botulínica e à manipulação de material contaminado, em laboratório (via inalatória ou contato com a conjuntiva).
Período de incubação
Quando o mecanismo de transmissão envolvido é a ingestão direta de toxina já presente no alimento, o período de incubação é menor e a doença se manifesta mais rapidamente. Quando ocorre a ingestão de esporos ou a contaminação de ferimentos, o período de incubação é maior porque a doença só se inicia após a transformação do Clostridium botulinum da forma esporulada para a vegetativa, que se multiplica e libera toxina. Períodos de incubação curtos sugerem maior gravidade e maior risco de letalidade.
Botulismo alimentar - Pode variar de duas horas a 10 dias, com média de 12 a 36 horas. Quanto maior a concentração de toxina no alimento ingerido, menor o período de incubação.
Botulismo por ferimentos - Pode variar de quatro a 21 dias, com média de sete dias.
Botulismo intestinal - O período não é conhecido devido à impossibilidade de se determinar o momento da ingestão de esporos.
Período de transmissibilidade
Apesar da toxina botulínica ser eliminada nas fezes, não ocorre transmissão interpessoal.
Complicações
Desidratação e pneumonia por aspiração podem ocorrer precocemente, antes mesmo da suspeita de botulismo ou do primeiro atendimento no serviço de saúde. Infecções respiratórias podem ocorrer em qualquer momento da hospitalização, sendo a longa permanência sob assistência ventilatória e os procedimentos invasivos importantes fatores de risco.
Diagnóstico
O diagnóstico laboratorial é baseado na análise de amostras clínicas e de amostras bromatológicas (casos de botulismo alimentar). Os exames laboratoriais podem ser realizados por várias técnicas, sendo a mais comum a detecção da toxina botulínica por meio de bioensaio em camundongos. Em casos de botulismo por ferimentos e botulismo intestinal, realiza-se também o isolamento de Clostridium botulinum através de cultura das amostras. Estes exames são feitos em laboratório de referência nacional e a seleção de amostras de interesse, oportunas para o diagnóstico laboratorial, varia de acordo com a forma do botulismo. Em geral, deve-se coletar soro e fezes de todos os casos suspeitos no início da doença.
Diagnóstico diferencial
Síndrome de Guillain-Barré, síndrome de Müller-Fisher (variante da síndrome de Guillain-Barré) e miastenia gravis. Além destas, existem outras doenças menos comuns mas que também devem ser consideradas no diagnóstico diferencial: doença de Lyme, neuropatia diftérica, neuropatias tóxicas alimentares, neuropatia por metais pesados e agentes industriais e outros quadros neurológicos e/ou psiquiátricos (meningoencefalites, acidente vascular cerebral, traumatismo cranioencefálico, transtornos conversivos, hipopotassemia, intoxicação por atropina, beladona, metanol, monóxido de carbono, fenotiazínicos e envenenamento por curare). O êxito da terapêutica do botulismo está diretamente relacionado à precocidade com que é iniciada e às condições do local onde será realizada. O tratamento deve ser conduzido em unidade hospitalar que disponha de terapia intensiva (UTI). Basicamente, o tratamento da doença apóia-se em dois conjuntos de ações:
Tratamento de suporte - Medidas gerais e monitorização cardiorrespiratória são as condutas mais importantes no tratamento do botulismo;
Tratamento específico - Visa eliminar a toxina circulante e sua fonte de produção, o C. botulinum. Utiliza-se soro antibotulínico (SAB) e antibióticos.
Fonte:
"DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS"
GUIA DE BOLSO - 6ª edição revista.
Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica.
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