13 de jun. de 2011

Erucismo (acidente com lagarta)

Erucismo é o acidente causado pelo contato de cerdas de lagartas com a pele (erucismo, de origem latina eruca = lagarta). O quadro de dermatite urticante, comum a todas as lagartas, é caracterizado por dor em queimação, eritema, edema, prurido e adenomegalia regional. Podem ocorrer formação de vesículas, bolhas e erosões. Síndrome hemorrágica, com coagulopatia de consumo e sangramentos sistêmicos (gengivorragia, equimoses, hematúria, epistaxe), é descrita no envenenamento por lagartas do gênero Lonomia, encontradas com maior freqüência em seringueiras (Amapá e Ilha de Marajó) e árvores frutíferas (região Sul). As manifestações hemorrágicas são precedidas do quadro local e de sintomas inespecíficos, como cefaléia, náuseas, vômitos, dor abdominal.

Agentes causais
As lagartas representam o estágio larval do ciclo de vida das mariposas, que inclui ainda as fases de pupa, adulto e ovo. Lagartas urticantes pertencem à ordem Lepidoptera, daí serem também denominadas como lepidópteros. A família Megalopygidae (lagarta-de-fogo, chapéu-armado, taturana-gatinho) é composta por insetos que apresentam dois tipos de cerdas: as verdadeiras, pontiagudas e que contêm as glândulas de veneno, e outras mais longas, coloridas e inofensivas. As lagartas da família Saturnidae (taturana, oruga, tapuru-deseringueira) têm espinhos ramificados de aspecto arbóreoe apresentam tonalidades esverdeadas, exibindo manchas e listras no dorso e laterais, muitas vezes mimetizando as plantas onde vivem; nessa família se inclui o gênero Lonomia.

Complicações: Acidentes por Lonomia: sangramentos maciços ou em órgão vital, insuficiência renal aguda; óbitos têm sido associados à hemorragia intracraniana e ao choque hipovolêmico.
Diagnóstico: O diagnóstico de envenenamento por Lonomia é feito através da identificação do agente ou pela presença de quadro hemorrágico e/ou alteração da coagulação sangüínea, em paciente com história prévia de contato com lagartas. Na ausência de sindrome hemorrágica, a observação médica deve ser mantida por 24 horas, para o diagnóstico final, considerando a possibilidade de tratar-se de contato com outro lepidóptero ou acidente com Lonomia sem repercussão sistêmica.
Diagnóstico laboratorial: O tempo de coagulação auxilia no diagnóstico de acidente por Lonomia e deve ser realizado para orientar a soroterapia nos casos em que não há manifestações hemorrágicas evidentes.
Tratamento: Para o quadro local, o tratamento é sintomático com compressas frias ou geladas, analgésicos e infiltração anestésica. Na presença de sangramentos e/ou distúrbio na coagulação, o soro antilonômico deve ser administrado de acordo com a intensidade e gravidade das manifestações hemorrágicas.
Características epidemiológicas: Os acidentes são mais comuns nos meses quentes e chuvosos, que coincidem com o desenvolvimento da fase larvária das mariposas. Os acidentes por Lonomia são descritos predominantemente na região Sul e, menos freqüentemente, no Pará e Amapá; casos isolados em outros estados têm sido registrados (São Paulo, Minas Gerais, Maranhão, Amazonas, Goiás). Os trabalhadores rurais são os principais atingidos.

VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA
Objetivos: Diminuir a freqüência de seqüelas e a letalidade dos acidentes por animais peçonhentos através do uso adequado da soroterapia e da educação em saúde.
Notificação: Agravo de interesse nacional. Todo acidente por animal peçonhento atendido na unidade de saúde deve ser notificado, independentemente do paciente ter sido ou não submetido à soroterapia.
Existe uma ficha específica que se constitui em instrumento fundamental para se estabelecer normas de atenção adequadas à realidade local.

Definição de caso
• Suspeito - Paciente com história de acidente por animal peçonhento.
• Confirmado - Paciente com evidências clínicas de envenenamento, podendo ou não ter trazido o animal causador do acidente. O diagnóstico etiológico se faz quando, além das alterações decorrentes do envenenamento, o animal causador do acidente é identificado. Entretanto, para efeito de tratamento e de vigilância epidemiológica, são considerados confirmados todos os casos que se enquadrem nas  definições acima referidas.

Encerramento do caso
• Ofidismo - Na maioria dos casos não complicados, a alta ocorre, em média, de 4 a 7 dias após o acidente e respectivo tratamento. Nos casos complicados, a evolução clínica indica o momento da alta definitiva. O paciente deve ser orientado quanto à possibilidade de ocorrência da “doença do soro”, de curso geralmente benigno, cujos sintomas aparecem de 7 a 28 dias após a administração do soro antiveneno.
• Escorpionismo e araneísmo - A alta definitiva pode ser dada após a remissão do quadro local ou sistêmico, exceto nos acidentes necrotizantes pela aranha Loxosceles, nos quais a evolução clínica da lesão é lenta, podendo haver necessidade de procedimentos cirúrgicos reparadores.
• Erucismo - A alta pode ser dada após a remissão do quadro local, com exceção dos acidentes por Lonomia, nos quais o paciente deve ser hospitalizado até a normalização dos parâmetros clínicos e laboratoriais.

MEDIDAS DE CONTROLE

• Ofidismo - O uso de botas de cano alto, perneiras e luvas constituem medidas fundamentais para a prevenção dos acidentes; a utilização desses equipamentos de proteção individual para os trabalhadores é inclusive regulamentada por lei. Dentre as medidas de prevenção coletiva, o peridomicílio e as áreas de estocagem de grãos devem ser mantidos limpos, pois, havendo facilidade para a proliferação de roedores, atraem serpentes, que os utilizam como alimentos.

5 de jun. de 2011

Hepatite A - Parte II

Hepatite A - Parte II
"O Vírus - HAV"


O vírus A da hepatite (HAV) é um Picornaviridae, do genero Hepatovirus. O RNA viral é de fita simples, com sentido positivo, portanto, pronto para a tradução. O RNA genômico está associado covalentemente à proteína VPg na extremidade 5´ não codificante, tendo esta papel importante na iniciação da transcrição (forma o sítio de entrada do ribossoma). O RNA genômico e algumas proteínas não estruturais associadas, são envoltos em um capsídeo com simetria icosaédrica, sem envelope. Existem sete genótipos (identidade de 85% ou mais nos nucleotídeos), sendo que três infectam naturalmente primatas não humanos e quatro genótipos que infectam o homem. Os genótipos mais freqüentemente encontrados nas infecções humanas são os genótipos I e III.
O genoma do HAV é semelhante ao dos demais Picornaviridae. A cadeia de RNA tem 7,5Kb e consiste de três regiões: uma região não codificadora na extremidade 5´ de 732 a 740 nucleotídeos, uma parte intermediária, codificadora, com 2.225 a 2.227 nucleotídeos e uma parte não codificadora na extremidade 3´ com 40 a 80 nucleotídeos.
A Figura 1 revela as diferentes proteínas conhecidas originadas da tradução do segmento intermediário.



As proteínas estruturais principais são a VP1, VP2, VP3 e VP4. Essas proteínas são originadas da proteína primária, por clivagem pela protease 3C, codificada na região P3, que também codifica a proteína VPg, associada ao RNA (Figura1).
A montagem do vírion no citoplasma começa pela associação das proteínas estruturais VP0 (formada pela VP2 e VP4), VP1 e VP3 que formam um complexo iniciador com coeficiente de sedimentação 5S. Cinco dessas estruturas se associam e formam um pentâmero de 14S, e 12 desses pentâmeros formarão o capsídeo completo com 70S, que ao envolver o RNA genômico formará partícula de 140S. Os epítopos importantes nas proteínas estruturais, que induzem a formação de anticorpos neutralizadores, são conformacionais e só aparecem após associação das proteínas nas partículas 14S e 70S ou no virion completo.

CICLO BIOLÓGICO DO HAV
Após ingestão, o que ocorre com o vírus no aparelho digestivo não é ainda bem conhecido. Estudos em modelos experimentais mostram que o vírus é absorvido, mas pode infectar células epiteliais da mucosa digestiva onde prolifera. Cai na corrente circulatória e chega aos hepatócitos, pela circulação portal e pela circulação sistêmica, através dos espaços inter-endoteliais dos sinusóides e espaço de Disse, sendo capturado pelos hepatócitos através de um possível receptor (uma integrina, mucina símile, de classe I, já identificada em células não hepáticas de primatas não humanos). O vírus se multiplica no hepatócito a partir de uma cadeia de RNA com sentido negativo, originada a partir da cadeia com sentido positivo por ação de uma RNA polimerase viral. O vírus montado é eliminado através da membrana apical do hepatócito, chegando aos canalículos biliares e daí, juntamente com a bile, ao intestino. Pela membrana basolateral chega ao sangue. Os mecanismos de eliminação do vírus na bile e no sangue não são conhecidos, mas independe da necrose do hepatócito, já que altos títulos de vírus são observados nas fezes antes de manifestações clínicas ou laboratoriais da infecção, ou seja, antes de fenômenos de necrose hepatocitária.

CRESCIMENTO DO VHA EM CULTURA

O vírus tem sido cultivado em células de primatas não humanos e em células humanas, de linhagem hepatocitária ou não. Tem pouco efeito citopático, mas células citotóxicas matam células infectadas in vitro, e interferon gama acrescentado às culturas inibe a replicação viral. Os anticorpos neutralizadores inibem a infecção de células em cultura.

A RESPOSTA IMUNITÁRIA AO VÍRUS HAV
O vírus A induz resposta imunitária humoral (anticorpos) e resposta imunitária celular, ambas importantes nos mecanismos de defesa e, especialmente, a celular na patogênese das lesões. Nas infecções naturais e/ou nas experimentais, os anticorpos da classe IgM e IgA são os mais precoces, aparecendo junto com as primeiras manifestações clínicas, mas podem só aparecer no fim da primeira semana de doença. Esses anticorpos persistem, na maioria dos pacientes, não mais do que 4 meses; uma minoria de casos pode ter IgM persistente por até um ano. Geralmente as manifestações clínicas desaparecem antes do desaparecimento da IgM. Os anticorpos IgA também desaparecem em alguns meses e sua participação na resistência à infecção não é conhecida. Os anticorpos IgG aparecem após a primeira semana de doença e persistem provavelmente por toda a vida, ainda que em títulos mais baixos, como seqüela sorológica. Tanto na classe IgM como na classe IgG estão os anticorpos neutralizadores, que reconhecem epítopos conformacionais formado pelas proteínas estruturais do capsídeo. Os antígenos estruturais isoladamente, são imunogênicos, mas induzem respostas em IgM ou IgG não protetoras (não neutralizadoras), o que tem dificultado a obtenção de vacinas a partir de proteínas recombinates do vírus.
Anticorpos IgM e IgG são formados contra outros epítopos das proteínas estruturais e não estruturais, mas não parecem envolvidos nos mecanismos de resistência á infecção e não são detectados nos sistemas comerciais atualmente utilizados para detecção de anticorpos anti-vírus A.
A resposta imunitária celular tem sido muito estudada em modelos experimentais de primatas não humanos. Na infecção humana, tem sido estudada através de testes in vitro para avaliar a citotoxicidade de células de pacientes infectados, com ou sem doença, sobre células homólogas ou isólogas infectadas com o HAV. Também através da dosagem de citocinas produzidas por células mononucleares do sangue periférico desses pacientes, estimuladas com o vírus inativado ou por células infectadas.
Em saguis e em macacos infectados tem sido demonstrado que há afluxo de células T e células B nos espaços porta e nos focos intralobulares de necrose, sendo detectadas células T citotóxicas e células T produtoras de IL-4 e IL-6 , possivelmente, importantes na ativação das células B para produção de anticorpos no local.
Estudos têm sido feitos a partir da clonagem de células colhidas de fragmentos de biópsias hepáticas de pacientes, obtidas nas fases iniciais da infecção. Tem sido clonadas células CD4+ e CD8+ e, essas últimas, mostram evidente efeito citotóxico sobre fibroblastos autólogos parasitados com o VHA, demonstrando o papel dessas células na patogênese das lesões necróticas. Observa-se grande produção de IFN-gama por aqueles linfócitos e a citocina tem grande efeito inibidor sobre a infectividade do vírus in vitro, o que indica a sua importância não só na agressão hepatocitária mas também na eliminação do vírus.
Estudos com células do sangue periférico de pessoas sadias, com sorologia positiva ou negativa para o HAV, fracionadas e colocadas na presença de células MRC infectadas com o HAV, estimuladas ou não com IL-2, demonstraram que as células citotóxicas naturais (células NK) e células citotóxicas ativadas por linfocinas (LAK, de Lymhokine Actived Killers) são capazes de matar as células infectadas. Essa observação mostra que essas células podem ser participantes da agressão hepatocitária na hepatite aguda, provavelmente nas suas fases mais iniciais, antes da ativação das células CD4 e CD8 específicas. Nesses experimentos foram também utilizadas células de pessoas com hepatite aguda, as quais demonstraram efeito citotóxico muito maior sobre as células parasitadas. O vírus inativado pelo formol, utilizado como vacina, também ativa linfócitos T CD4+ e CD8+, ativação que já é significativa na segunda semana após a vacinação, indicada pela resposta blastogênica in vitro após estimulação com o vírus. Também induz a produção de IFN-gama nas células mononucleares do sangue periférico, in vitro, bem evidente na quarta semana após a vacinação. Essa observação mostra que a vacina, além de induzir anticorpos neutralizadores, induz também resposta celular, importante na eliminação de células parasitadas pelo vírus.

AS FORMAS DE TRANSMISSÃO DO VHA
A forma mais comum de transmissão é a oral, através da ingestão do vírus com alimentos ou água contaminados. Nos países subdesenvolvidos a transmissão se dá pela ingestão de água, alimentos e objetos contaminados, e a infecção é precoce, ocorrendo após os oito meses de idade, quando os anticorpos maternos começam a desaparecer. Nos países em desenvolvimento a transmissão clássica por água e alimentos contaminados, precoce, vai diminuindo na medida em que as condições higiênicas vão melhorando, como tem sido observado no Sul e Sudeste do Brasil. Nessas regiões, e nos países desenvolvidos, o número de adolescentes e adultos jovens susceptíveis é grande e surtos epidêmicos podem surgir por ingestão de alimentos contaminados (vegetais, mariscos), em trabalhadores de estações de tratamento de esgoto, em trabalhadores de hospitais, por contato com pacientes com a doença ainda não identificada.
Como o período de viremia é curto e a concentração de vírus no sangue é baixa, a transmissão por sangue ou material com ele contaminado é rara, mas pode ocorrer se o material injetado (soro ou sangue) tiver sido originado de um indivíduo no período de incubação ou na primeira semana da doença. Casos esporádicos têm sido relatados após transfusão sanguínea em neonatos, transfusão de plasma e de plaquetas e de fatores de coagulação e na população usuária de drogas injetáveis. A transmissão em homossexuais masculinos tem sido suspeitada e alguns surtos epidêmicos foram registrados nessa população.